Medicina Fetal
Paciente antes mesmo do nascimento.
Até 50 anos atrás, o que se passava com o feto no interior do útero materno era um completo mistério. Na década de 70, o surgimento de exames de imagem, como a ultrassonografia na Europa e nos Estados Unidos, começou a mudar este cenário, mostrando a existência de eventuais malformações físicas do feto, presentes em aproximadamente 2% das gestações e, em muitos casos, responsáveis por intercorrências, como parto prematuro, morte do feto ou do recém-nascido, além de graves sequelas já na infância.
Com isso, estava aberto o caminho para o desenvolvimento da medicina fetal, que tem o objetivo de dar ao feto condições de sobrevivência até o parto e, se for o caso, suportar procedimentos cirúrgicos logo após o nascimento. Um grande marco dessa área da medicina foi registrado em 1983, quando o recurso da imagem ultrassonográfica ganhou o reforço da cordocentese, exame para avaliar eventuais anomalias genéticas ou infecciosas feito a partir da coleta de sangue do feto por meio da punção do cordão umbilical.
No Brasil, o avanço da medicina fetal ocorreu nas últimas duas décadas. Graças à melhoria progressiva da qualidade da ultrassonografia para a detecção de anomalias físicas e ao aperfeiçoamento de equipamentos, como o fetoscópio, aparelho que permite observar e intervir no feto ainda dentro do útero materno, é possível realizar uma série de procedimentos terapêuticos clínicos e cirúrgicos intrauterinos, geralmente a partir do quarto mês de gestação, garantindo ao feto melhor índice de sobrevivência e com menos sequelas.
O tratamento clínico intra-útero aplica-se especialmente em casos de detecção de arritmias cardíacas no feto ou risco de infecções transmitidas pela mãe, como a toxoplasmose, que pode levar ao aborto espontâneo, morte do bebê ao nascer e hidrocefalia (excesso de líquido no cérebro), entre outros problemas.
Mas é no campo da intervenção cirúrgica que a medicina fetal apresenta seus maiores benefícios, com a possibilidade de reversão de inúmeras doenças progressivas, permitindo preservar as funções do órgão afetado. "Os procedimentos são cada vez menos invasivos, reduzindo consideravelmente os riscos para a mãe e para o bebê", diz o Dr. Eduardo Cordioli, coordenador do setor de Obstetrícia do Einstein.
Dilatações renais e ventriculares cerebrais, cistos pulmonares e derrames pleurais são algumas das anomalias que podem ser corrigidas por meio de punção guiada por ultrassonografia. Já as anemias fetais podem ser revertidas com um procedimento que leva sangue e/ou plaquetas diretamente para o feto, indicado principalmente nos casos de incompatibilidade do fator Rh entre o sangue do feto e o da mãe.
Cirurgia endoscópica
A fetoscopia, ou cirurgia endoscópica fetal, é outro procedimento que assegura a estabilidade ao feto no tratamento de vários tipos de anomalias. Uma delas é a hérnia diafragmática, que ocorre quando o diafragma (membrana que separa o tórax do abdome) não se fecha, causando a elevação de órgãos, como estômago, intestino e fígado, para o tórax do feto, comprimindo os pulmões e comprometendo seu desenvolvimento. Neste caso, a fetoscopia é feita para a colocação de um balão na traqueia do feto, que faz com que os órgãos sejam "empurrados" de volta às posições naturais. A correção definitiva do diafragma é feita somente após o nascimento.
A cirurgia endoscópica fetal também se aplica com êxito aos casos de síndrome da transfusão feto-fetal. Trata-se de uma anomalia que ocorre em 5% das gestações de gêmeos que compartilham a mesma placenta e que faz com que vasos e artérias tenham comunicação entre os dois fetos, transformando um deles em doador de sangue e o outro, em receptor. Em 90% dos casos, esse desequilíbrio do fluxo sanguíneo pode levar os dois fetos à morte. "Por meio da fetoscopia, é feita a coagulação dos vasos a laser, interrompendo a comunicação entre eles e assegurando, em cerca de 70% dos casos, a sobrevida dos dois bebês, com menor índice de sequelas”, explica a Dra. Rita de Cássia Sanchez, responsável pelo setor de Medicina Fetal do Einstein.
Avanços a céu aberto
Em alguns casos, a cirurgia a céu aberto – com a incisão do útero materno, como em uma cesariana, e a retirada parcial do feto para a intervenção – é a única alternativa para a correção de anomalias fetais. Entre elas estão as malformações no fechamento da coluna vertebral do embrião, como espinha bífida, que pode ocasionar problemas, como paraplegia, disfunções intestinais, incontinência urinária, entre outros. As técnicas para esse tipo de cirurgia evoluíram consideravelmente, beneficiando principalmente a gestante. Há alguns anos, mulheres submetidas a esse tipo de procedimento dificilmente conseguiam ser bem-sucedidas em novas gestações. Atualmente, é possível realizar a cirurgia com menor abertura do útero, reduzindo a probabilidade de problemas para ter outros filhos.
O potencial de avanço da medicina fetal é imenso, especialmente no campo dos procedimentos para correção de anomalias cardíacas. Com isso, cada vez mais histórias que poderiam não ter final feliz são reescritas com altos índices de sobrevivência e baixa ocorrência de sequelas.
Fonte: Einstein
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